Escolas, precisamos falar sobre os pais.

escola bilhete
Oi Carla,
Tudo bem?
Bem, vamos direto ao assunto, rs.
Recebi o aviso da comemoração da festa do dia das crianças e achei o passeio fantástico, tudo que Bê gosta e muito mais, até a danada da Peppa estará por lá (Geralmente acordo com a família Pig às 6 da manhã, sabecumé né?), já prevejo uma carinha gordinha sorridente. Depois da festa maravilhosa de São João, tenho certeza que a festa das crianças será tão boa quanto ou até melhor. Estou muito animada.
Mas Carla, permita-me fazer uma observação no aviso que foi encaminhado as mães: Por que o passaporte para um dia tão fantástico foi encaminhado somente a nós, mulheres?
Então, deixa eu explicar melhor…
Crio meus filhos praticamente sozinha, o pai está em Caruaru e pega-os nos fins de semana, e você tem razão, certamente ele não estará presente na quinta-feira. Mas sinto, através do seu comunicado que veio hoje na agenda do meu pequeno, que de qualquer maneira quem tem a obrigação de estar no evento seja somente eu, ainda que eu também trabalhe diariamente, tenha prazos, clientes e outras demandas com as crianças e com a nossa casa.
Entendo também que muitas mães aqui na nossa cidade dedicam-se somente aos filhos e a casa, observo isso sempre que consigo chegar mais cedo, elas sempre são maioria, mas não são totalidade, nem deveriam ser.
No meu caso, e creio que no de outras mães em muitos cantos do mundo, trabalho e preciso de uma renda pra manter as minhas criaturinhas. Assim como o pai de Bernardo, na teoria não tenho toda essa disponibilidade no horário da festa, mas na prática darei um jeito de levá-lo, ainda que tenha que passar a madrugada na labuta. Mais uma.
Sinto-me um pouco sobrecarregada, sabe Carla? É mesmo um desabafo com uma certa revolta, espero que me entenda. Seu convite fez-me sentir ainda pior. Nós já carregamos um peso muito grande vivendo numa sociedade patriarcal, machista, são muitas mulheres que assumem responsabilidades de dois, de uma maneira bem desigual, e eu luto diariamente por mim e por elas, ainda que faça bem pouco efetivamente.
Confesso Carla, ando oprimida e achando que não dou conta, você observa isso no dia a dia que eu sei. Todas as vezes que chego com o meu filho e todas as minhas pendências na calçada da sua escola, estou vivendo essa maternidade solitária, e isso me fez refletir, terminando o dia ainda mais convencida que o seu convite não deveria somente ser direcionado as mães.
É preciso ficarmos atentas a esses pequenos grandes detalhes, desculpe-me se estou sendo repetitiva.
Não seria o momento da escola também reforçar a importância da vivência da paternidade em toda a sua dimensão? Vamos fazer um convite aos pais, aos responsáveis? E sem contar que ainda temos a possibilidade de uma criança ser criada por dois pais, já pensou?
Deveríamos ensinar aos nossos meninos, através de exemplos do dia a dia, na nossa família e nos espaços de convívio diário, como a sua escola, que quando resolverem ter filhos, eles terão que também fazer parte da vida escolar das crianças. Você não acha?
Deixo então meu pedido encarecido de que a escola reflita sobre bilhetes direcionados somente a nós, vamos parar de reforçar esse discurso de que mulheres e somente mulheres estão disponíveis e são responsáveis pelas crias.
Talvez eu seja a mãe mais esquisita da escola e você deve estranhar esse ~textão~. Sou a mãe que geralmente chega atrasada pra buscá-lo, a mãe toda tatuada, de chinelo e cabelo nas alturas, a mãe que muitas vezes vem se justificando por achar que poderia ter dado conta de tudo, mas que vez ou outra pede pra que você o alimente com o lanchinho da cantina, quando não tenho tempo de fazer uma sanduíche integral em casa ou mesmo comprar um biscoito (Já estou sabendo que ele ama a salada de frutas). Sou a mãe que ainda não levou os documentos completos pra escola, e estamos em Setembro. A mãe que paga a mensalidade todo dia 15 ao invés do dia 5. Sou a mãe que resolveu escrever pra você com o coração aberto, e espero que me compreendas também de coração aberto. Aproveitando, gostaria de te agradecer imensamente por cuidar de forma tão carinhosa do meu Bê.
Que o passaporte possa ser para todos, alias, ele tem que ser para todos.
Com carinho,
Ana
Ps: Faremos uma grande festa no dia 13, conte com a nossa presença.

14 COMMENTS

  1. Dentro dessa linha de raciocinio, porque algumas escolas fazem atividade em dia útil e querem que os pais vão? Por acaso eles não tem que trabalhar para pagar a escola? Isso só faz com que as crianças cujos pais trabalham e não podem ir sintam-se constrangidas, desejando que seus pais não trabalhem

  2. Ana, como te entendo!! Me separei há um ano e meio e desde então crio meu filho, hoje com 9 anos, praticamente sozinha apesar do pai morar no mesmo bairro. Não é nada fácil e tem horas que acho q não vou dar conta, por isso me identifico tanto com seus posts de desabafo e de maternidade.. me faz sentir que não estou sozinha nessa. Assino embaixo em tudo que disse!!! Beijos e ó, no final, a gente dá conta sim viu?!

  3. Gostei muito da forma educada e sincera com o qual voce escreveu essa carta para a professora, que talvez nem tivesse reparado nesse “detalhe”.

  4. Ana, amei sua resposta.
    Eu acho que a sociedade precisa mudar o posicionamento sobre ser pai.
    Sou dessas que acha, inclusive, que a licença paternidade deveria ser igual à maternidade, para que os homens entendam que seu compromisso com os filhos não é menor.
    Graças a Deus meu marido é um paizão (ainda não tenho filhos biológicos, mas o meu enteado mora conosco) e essa é uma das coisas que mais admiro nele.
    Não é fácil ser responsável por uma criança, ser mãe e pai (de verdade), não é fácil, criar um filho sozinha é ainda pior.

  5. Curiosa pra saber a resposta dessa carta!
    Ou foi só um desabafo aqui no blog mesmo???
    Não sou mãe ainda, e muitas vezes nem reparo nesse “detalhe” mas é uma coisa muito importante a ser pensada e falada, discutida!
    Vc arrasa!

    Beijos da quase xará!

  6. Oi, Ana!
    Não sou mãe, mas algo que sempre falo que me desanima a ser é a educação das escolas. Eu com certeza farei a “mãe chata” (na verdade exigente e inteligente) se um dia for. A cada dia as escolas tratam coisas importantes como meros detalhes. Esse que vc chamou atenção é só um deles, infelizmente. Veja só, aqui em MG já trocam as tradicionais quadrilhas por sertanejo universitário. Imagina ver seu pequeno reproduzindo as barbaridades que eles cantam (coisas do tipo “antes não ‘pegava’ nem gripe, agora ‘pego mulher’ pq tenho um camaro amarelo”. Ou: vou beber até cair… Aff!). Sem contar nos erros de português gritantes, não poder levar o livro (caro, comprado pelos pais!) pra casa, exceto na VÉSPERA da prova, quando só estimula a decoreba! Ou a professora DITAR a resposta “certa”. Isso tudo é em escola particular,… Que preguiça! Mas não desanima! Gostei e faria igualzinho a vc! rsrs.
    Beijo!

  7. Fiquei tocada com suas palavras! Parabéns pela lucidez, espero que seu texto alcance não só o coração da Carla, mas o de um mundo de gente que é sexista e preconceituosa e nem se vê assim.

  8. Oi Ana! Adorei sua carta a professora. Também sou separada e tenho três filhos. Apesar de termos guarda compartilhada, muitas vezes me sinto sobrecarregada também. Toda parte de escola, médicos, dentistas, cursos sou eu que resolvo e não é fácil mesmo. Força para todas nós. Bjs

  9. Ana,
    Concordo em gênero número e grau. Mas , TB., deveria ser entregue direta/e à Diretoria e Coordenação Pedagógica da escola.
    A profa., nesse caso, acredito eu, foi a remetente do convite impresso. Quem decide datas e eventos são as acima citadas.
    E pq não sugerir festinhas no final de semana.??
    Assim TODOS os responsáveis pelos bambinos e bambinas fariam um esforço para comparecer e ,a criança, com certeza, se sentiria muito feliz com a presença deles… Fato q não vai acontecer numa festa de meio de semana. Tb existem homens pais que são mães..e que tem horário de trabalho a ser cumprido.
    Grande BJ
    S.O.
    Rio

  10. Certíssima, Aninha. Quando coordenei o Ensino Fundamental na minha escola, os bilhetinhos que eu enviava sempre iam direcionados ao “responsável”. Até porque a realidade da escola pública é outra. Muitas crianças vivem com a avô, o padrinho, a tia, ou a vizinha, que acolheu quando a foi foi embora com outro homem e o pai foi preso.
    O certo é enviar o bilhetinho ao “Sr. Responsável”. Certíssima. Nós mulheres estamos cansadas desse machismo. Bjka

  11. Impressionante como a escola está perdendo a oportunidade de participar desta mudança de consciência! Um verdadeiro absurdo este distanciamento dos pais. Até porque, como você bem disse, os meninos precisam aprender que quando tiverem filhos a responsabilidade de criar e educar é tão deles quanto delas. Já está em tempo de isso mudar!!!

  12. Ana! Já ouviu falar sobre o podcast Tricô de pais? Ou do canal Paizinho, vírgula? Eles estão nessa luta também.
    Não tenho filhos, mas já converso com meu marido sobre a a paternidade ser vivida e não apenas decorativa.
    Belo texto. Força na peruca! Seus filhos devem se orgulhar muito da mãe que tem!

  13. Ola Ana, conheci seu blog e lendo alguns post, esse me deixou muito sensibilizada, pois eu sou esta mãe, que tenho a diferença do paizão só vir nas ferias, isso se diz a 2 vezes ao ano, e me senti como vc se descreveu, muitas vezes ou quase sempre oprimida por estes convites, e me sentindo a piores das mortais;que por diversas vezes sei que não dou conta. Adorei o post e agora estarei aqui sempre, pois agora estou com planos de mudanças, na vida, na alma e da casa, estado, tudo (rsrsrs), e estou adorando as dicas para a casa nova.

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