Eu não quero ser uma mãe perfeita

Vinícius não foi nos primeiros dias de aula porque estava doente da garganta. Na quinta, quando voltou da escola, veio cheio de tarefinhas atrasadas, além das muitas tarefas que a professora tinha enviado para que ele fizesse nas férias e que não fizemos. Férias gente, férias.

Sempre tive dificuldades de fazer os deveres de casa com ele, nunca tive paciência. Dependendo do dia, digo “Não vamos fazer, diz pra sua professora que não tivemos tempo porque eu estava trabalhando”. Oitenta por cento das vezes é verdade mesmo, mas os outros vinte não. É isso. Você talvez deve tá me achando uma péssima mãe, e eu preciso dizer que se essa for mesmo a sua opinião, sinto por todas nós.

Ok, diariamente fazemos coisas que não gostamos “Que tipo de coisa você está ensinando para o seu filho, Ana?”, mas em algum momento da maternidade, ou melhor, em vários momentos da maternidade, precisamos aceitar que não somos perfeitas em tudo, que tá tudo bem termos fraquezas e falta de habilidades, que por mais que estejamos falando de coisas essenciais, como fazer a lição de casa, é natural construirmos alguns muros. Buscarmos uma explicação única para tudo isso é muito vago, já que cada pessoa tem suas próprias experiências e muitos motivos reais para, por exemplo, não querer amamentar o seu filho, um ato tão natural e poético, não é mesmo? Não. Apenas não julguem, parem com isso.

Começamos com o livro de português, li a história e fomos responder os quesitos. Ele fingiu que não tinha entendido, fez corpo mole, miou, chorou, falou que iria morar com o pai e preferia não aprender a ler, virou a cadeira, muitas desculpas típicas de criança. Conversei, gritei, ameacei, respirei fundo, pedi que o pai conversasse por telefone, gritei de novo e dei um tapa, como nunca tinha feito antes. Choramos. Ai como choramos. Foi foda. Situação total fora de controle. Fiquei com raiva de coisas que aconteceram no passado, fiquei com raiva de pessoas,e também por ter colocado-o numa escola tradicional, que ainda acredita que enchê-lo de folhas e páginas de livros ou deixá-lo copiando uma agenda até quase 18h, vai fazê-lo ter entusiamo para aprender alguma coisa. Em nenhum momento meu Vinico era culpado, apesar de sabermos que serumaninhos são seres bem manipuladores.

Depois de muito refletir, pensar, conversar com psicólogo, amigos, familiares, divindades, seres de outras dimensões, aceitei. Aceitei que a bola tá comigo e quem não consegue segurar sou eu, o controle e o descontrole me pertencem, aceitei, chorei mais uma vez e lamentei. E daí, com os meus questionamentos de sempre, olhei também pra mim e pensei: Por que eu preciso ser perfeita? Por que não posso detestar fazer algo com meus filhos? Alguns responderão “Porque você é mãe”. Volto a lamentar, e agora por termos essa imposição de uma sociedade cansativa, que tanto oprime comportamentos e sentimentos humanos de tantas mulheres, que tanto nos faz carregar pesos desnecessários, que dizem que mães tudo devem suportar por amor, que mãe é mãe. Parem mais uma vez.

Desconstruir é algo bem dolorido, mas é necessário e urgente para todas nós. Nós odiamos muitas coisas na maternidade, sejamos sinceras e verdadeiras.

Não sou a pessoa mais indicada pra fazer as lições, mas sou a única pessoa que está por perto diariamente e terei que buscar uma solução, ainda que já tenha combinado com o pai que os livros irão na malinha pra casa dele também nos finais de semana (Mas né, de segunda a quinta são 4 dias).

São tantos assuntos num só, mas falando agora somente sobre a minha maternidade, preciso repetir mais uma vez pra todas nós: Aceitei que não tenho o poder de atender todas as necessidades, e tendo essa consciência, tem sido mais fácil me perdoar e pedir perdão para os meus filhos, creio que desta forma encontraremos novos caminhos. A mamãe detesta mesmo ter que ensinar o que é um encontro vocálico, a mamãe também acha péssimo correr no parque e é tão chato ter que escutar meia hora sobre um jogo onde plantas lutam com zumbis. Em compensação, amo muito tantas outras coisas, poderia passar o resto da madrugada falando sobre todos os maravilhosos momentos que passamos juntos e o quanto me sinto feliz em tê-los tão perto de mim.

Depois de todo o nosso estresse, fomos ao cinema e a maior  alegria da minha semana veio em forma de olhinhos atentos a todas as palavras ao seu redor. No término do filme, enquanto saíamos da sala, ele disse: “Mamãe, ali está escrito sa-í-da, é por lá que temos que ir”. Abracei meu menino com tanta força e dei tanto beijo. Ele é tão inteligente e tão incrível.

Ai filho, que encontremos juntos muitas saídas, que você também descubra uma forma de me ajudar a te ajudar, e entenda que ainda vou errar um monte, porque eu me recuso a ser uma mãe perfeita.

vinico

PS: Esse texto meio que é uma extensão daquele outro texto que escrevi meses atrás, mostrando algo na prática. Daí cheguei a belíssima conclusão que se eu tivesse um pouquinho de tempo a mais, iria produzir muito mais conteúdo a respeito da desromantização da maternidade, já seu no que militar, rs.

12 COMMENTS

  1. Ana, uma pessoa muito querida uma vez me disse que ao ensinar em casa o que ele deveria aprender na escola, a gente estava tirando a oportunidade dos filhos de correrem atrás das respostas, de assumirem que não sabem o que é encontro vocálico e perguntar para a professora. (ela sim tem que ter paciência de explicar essas coisas).

    Na minha opinião, você tem que educar e a escola ensinar. Se ele não entendeu na aula, tudo bem, amanhã vai para a aula e pergunta. Esse tipo de aprendizado fica para a vida e você vai estar formando um adulto maduro e responsável que sabe correr atrás do que quer. Ele tem que aprender a se virar sozinho e as tarefas são responsabilidade dele e não sua.

    Eu sei que isso é mais fácil dito do que feito, mas sinceramente, achei essa idéia libertadora. Você não deve fazer o dever de casa com o seu filho. Tem que mostrar que é importante, cobrar e etc, mas ele dá conta da responsabilidade das tarefas. Elas foram feitas para a idade dele.

    Enfim, acho que temos que rever vários paradigmas de maternidade, a começar pela responsabilização da criança. Ela consegue fazer muito mais do que deixamos.

  2. Super te entendo! Sofro muito por não conseguir ser exemplar já que muitas vezes nem eu entendo o que tá pedindo o tal Para Casa. É foda, ´é Fodástico! Com paciência e exercícios de respiração , vamos levando. Boa Sorte pra nós! bj

  3. Ana
    Me sentia a pior mãe do mundo quando conversava com as outras mães sobre tarefas e provas das minhas filhas e nem sabia qual a matéria que estavam estudando(confesso que não tinha paciência p estudar junto), às vezes pensava se estava agindo certo dessa maneira se não iriam se sentir diminuídas ou menos amadas por não estar tão presente , talvez agia assim também pq fui criada dessa forma. Ajudava somente em trabalhos mais elaborados, aos poucos percebi que isso dava mais autonomia e maturidade para elas e deixei rolar desse jeito.
    Mas na hora das brincadeiras e das broncas estava sempre lá. Hoje estão praticamente adultas e vejo q não errei em fazer dessa forma sempre foram responsáveis e nunca desapontaram nos estudos principalmente a elas. Não se sinta menos mãe por isso somos humanas e com certeza faz o seu melhor por eles. Bj❤

  4. Ana, que texto maravilhoso, e o que eu acho o máximo nele é que em momento algum você se sente culpada pelos sentimentos e pela falta de vontade de fazer os deveres ou o que quer que seja.
    Meu filho tem apenas 2 anos e toda sexta feira volta com um livro da escola que um semana ou outra eu nem tiro da mochila por falta de tempo/interesse hahahahahaha, imagina quando voltar com uma penca de deveres de casa.
    O mais importante é não sentir culpa, o amor pelos filhos é notório e maior do que tudo, e nós mães temos plena consciência disso, apesar da falta de vontade de descer pro parquinho ou de jogar bola vez ou outra, amamos nossos filhos e demonstramos esse amor. Eles sabem exatamente nos tirar do sério e fazem isso como ninguém, então o grito é normal, o tapa é natural, e a “desculpabilização” da maternidade hoje é muito mais do que necessária. Fico chocada quando vejo relato de mães que choram porque tiveram que dar uma injeção ou colocar soro no nariz do filho ou dar uma bronca.
    Rezo para que apareçam mais textos assim pelo mundo dos blogs para que as mães entendam que sair do sério é inevitável, que ser mãe pode ser maravilhoso, mas também é um saco.

  5. Ai Ana a hora da tarefa também é um momento tenso para mim, respiro muito fundo e muitas vezes para que seja cumprindo e quem sabe prazeroso. Parabéns já tem uma recruta aqui na sua militância pela desconstrução da maternidade propaganda de margarina. Beijo grande.

  6. Oi Ana! Eu acompanho desde o começo do blog e nunca comentei antes mas te admiro muito e me identifico também. Chorei junto com você naqueles momentos tristes e vibro quando vejo que está feliz. Mas vamos ser reais sobre ser mãe e chega de máscaras. Sou a mãe fodona e fracassada num único dia e tudo bem. Passo sufoco com birras e tarefas escolares com minha filha de 5 anos. Me sinto ridícula brincando de boneca e teatrinho, não sei contar historinha mas gosto de fazer bagunça, brincar de cosquinhas e adoro tentar achar respostas engraçadas para as perguntas complicadas da idade. Nunca dei palmadas ma já tive muita vontade e fico mal porque faço até pior que isso: faço chantagem, manipulo, grito, essas coisas baixo nível mesmo. É o amor infinito que me mantém sã. Um grande abraço e seus filhos são lindos!! (comentando pela primeira vez e já mando textão)

  7. Ai Ana, que lindo e incrível texto! Compartilho das mesmas aflições e me cobrava muito tb por não ser uma mãe como esperava. Mas com o tempo tenho aprendido que meu filho nunca será aquilo que espero que ele seja, pq tem sua propria personalidade e que nem eu mesma poderia me cobrar tanto por não ser uma mãe perfeita. O importante é que haja respeito tanto para com os nossos filhos quanto com nós mesmas. Todos temos limitações e aos poucos vamos descobrindo as melhores estratégias para resolver pequenos problemas do dia a dia. O que ele realmente mais precisa tenho certeza que vc já oferece: o amor.
    Beijos pra vcs!

  8. Não sou mãe, mas vejo o quanto minha irmã que tem uma bebê sofre com os julgamentos. Hj às 7 da manhã qd ela saia pra trabalhar, carregada de bolsas em um braço e a bebê no outro braço, detalhe minha irmã mora só com a filha, a vizinha entra no elevador e fala que é um absurdo as mães jogarem seus filhos em creches por preguiça de cuidar. A pessoa trabalha para sustentar a casa e a criança e por isso deixa na creche e tem que ouvir dessas. Mas como diz o ditado é melhor ouvir merda do que ser surda. As pessoas perderam totalmente a noção, dia desses eu dei uma banana desidratada para a bebê e uma doida me parou no meio do shopping para reclamar pq eu tava dando chocolate. Todo dia é uma pérola, mas se oferecer pra ajudar ninguém se oferece.

  9. Ana querida, é sempre uma alegria ler os seus textos. Sou mãe de Rique (14 anos) e Isa (10 anos) também sou pedagoga e isso não me livra destes dilemas da hora de fazer as tarefas de casa. Daria para escrever livro sobre os dramas e as enormes conversas e brigas e risos durante estes momentos de dor e delícias. Estes questionamentos sobre a quantidade de tarefas, os trabalhos nas férias e todas as outras incoerências da escola precisam mesmo ser pensados e discutidos … Mas, enquanto a gente faz isso, como fazemos com a hora dos trabalhos de casa? A minha experiência aqui mostra que este momento tenso é também momento rico de conversas e de aprender e ensinar sobre responsabilidade, compromisso e sobre como encontrar alegria para cumprir as obrigações, mesmo quando a gente sabe que elas são chatas e sem muita coerência – como outras que a gente vai enfrentando na vida! Um beijo bem grande para você e seus filhotes lindos! Fl

  10. Sensacional e real!
    Também pirava com o para casa, que hoje ele faz sozinho! Libertação!
    E sem o pai pro dia a dia, que é quando o bicho pega de verdade… é pra pirar mesmo!

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